Caxias do Sul 18/05/2024

Plateia de obra

Figura típica em todas as cidades do mundo está sempre a observar e a opinar sobre o trabalho dos outros
Produzido por Paulo Damin, 03/09/2022 às 07:41:05
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Em Bolonha, existe um nome específico para o cidadão que costuma parar e olhar obras na rua. É o umarell, que pode ser traduzido, com carinho, por “homenzinho”.

O umarell padrão apresenta as seguintes características: aposentado, levemente curvado para a frente, as mãos para trás. No inverno, usa tactel e boina. No verão também. O bigode é opcional.

Não há tempo ruim para o umarell. Se chove é até melhor, que daí ele pode te explicar o método ideal para cobrir com lona a laje recém concretada.

As obras preferidas do umarell são as obras da prefeitura. Colocação de cano em rua de paralelepípedo é a imagem do paraíso. Primeiro a desmontagem do quebra-cabeça: paralelepípedos atirados aqui e ali, deixando ver as veias abertas da latrina. Depois aquele aguaceiro que vem da terra nas cores marrom glacê, amarelo deserto e azul cobalto, que deixam boiando a questão se aquilo ali é apenas água ou se não tem algo mais complexo.

Por fim, a remontagem do quebra-cabeça, que é antes de tudo encaixar os tubos de concreto um no outro. Nesse processo, sempre quebra uma lasquinha, aí o umarell diz que “tinha que trocar esse dali que quebrou, ó, senão dali dois dias vaza tudo de novo, piá”. Depois, é preciso tapar de novo a rua – nunca fica perfeito, apesar de o umarell passar horas ali indicando que “aquela pedra lá ó, aquela mais achatada, antes ela estava ali do lado daquela meio arredondada”.

O umarell ajuda com sua memória treinada de tantos dominós e obras que ele viu nascer, crescer, se reproduzir e morrer, mas não adianta: os operários da prefeitura preferem fazer de conta que sabem mais, que são todos engenheiros da faculdade.

O umarell sofre muito preconceito e é preciso combatê-lo. De qualquer maneira, imune a qualquer piada que não tenha sido feita por ele mesmo, o umarell sempre encontra um lugar ao sol ou à chuva para ver o trabalho dos outros. E assim ele vai passar o dia, voltando para casa somente em caso de fome. Isso se o umarell não for desses que se previnem e levam um pão com banana e uma térmica de café ou chimarrão para forrar o estômago ao longo da dura jornada.

Paulo Damin é escritor e tradutor em Caxias do Sul.

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