Caxias do Sul 18/05/2024

O limite mais difícil

A voz do outro necessita permanecer com ele, não dentro de você, como uma bomba prestes a explodir
Produzido por Neusa Picolli Fante, 16/04/2023 às 09:09:08
Foto: Morgane Coloda

O limite mais difícil é o que é construído dentro de nós, de você, de mim também... Aquele que necessita de paredes espessas para não te atingir... Aquele para o qual você deve criar uma proteção para que o que é do outro ou reminiscências de você mesmo não te atinjam...

O limite mais difícil é aquele que vai além da voz, da imagem, da palavra. É o que ecoa por tudo o que ficou guardado em meu íntimo - inclusive o desamparo que sinto, o desvalor que se construiu, o abandono que não encontro de tão profundo que soterrei.

É o limite que negligencio, que finjo não existir, que me deixa sem direção, numa atrapalhação sem igual.

É aquele que, às vezes, me sinto vencedora por dar voz: “não é assim”, “não penso, sinto ou faço como você”, “não concordo”, “não compactuo”.

Dou limite ao outro, fora de mim, mas aquilo lateja internamente, permanece ali me alfinetando e me faz guardar amarguras do não resolvido, do “o outro sabe mais”, do “eu não sei como lidar” - dentro de mim...

Não significa que eu sempre deva saber tudo, às vezes é imprescindível solicitar ajuda, outra opinião, passar a limpo o que penso sobre o caso, e tudo isso se dirige ao filtro interno que está em mim... procure-o dentro de você – ele está ali também.

Esse limite organizado é a morada que procuro constantemente. É o que me ajuda a não sofrer. Não entrar em atrito comigo mesma. Auxilia também a eu aceitar as minhas próprias limitações.

A voz do outro necessita permanecer com ele, não dentro de você, como uma bomba prestes a explodir, e você a implodir tudo que pensa, porque o outro não enxerga da mesma maneira que você, não viveu as suas experiências, guarda impressões diferentes da vida, e quer fazer prevalecer a convicção dele.

E tudo que te remete às opiniões do outro precisa passar pelo filtro de acomodar em um lugar confortável junto com o que você viveu – em você...

Não se deixe levar pelo outro, filtre o que ele te diz, construa sua linha de pensar e falar, mas, principalmente, sinta do seu jeito.

Além disso, cuide das dores não olhadas que ficaram perdidas dentro de você. Elas podem distorcer as direções, fazer você sentir de uma maneira atrapalhada, difícil, alterar a informação que chega até você...

Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica especialista em lutos e perdas. É palestrante e escritora, autora de oito livros: três de psicologia, três de crônicas e dois de poesia.

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