Caxias do Sul 18/05/2024

O guarda-pó da Eberle

Patrimônio material e também o imaterial deve ser preservado quando o assunto é o restauro da Maesa
Produzido por José Clemente Pozenato, 11/08/2022 às 08:47:49
Foto: Marcos Fernando Kirst

A UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – tem sua sede em Paris, num edifício que é por si só um patrimônio cultural, e que tive a emoção de visitar.

Na área da Cultura, a UNESCO tem definido, além do patrimônio material, também o Patrimônio Cultural Imaterial, que compreende usos, línguas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas que as comunidades e, em alguns casos, os indivíduos, reconheçam como parte integrante de seu patrimônio cultural.

Um capítulo à parte foi o da criação de um programa especial para preservação do Patrimônio Cultural Imaterial da Indústria. Ele se insere no tema da “Memória do Trabalho”, que tinha sido até então valorizada quase que somente no campo do artesanato individual. Os saberes da indústria, que soma saberes coletivos, não são menos ricos. E, com o apregoado fim da era industrial, correm grande risco de desaparecimento. Uma parte desses saberes pode ser recuperada em manuais de operação, muitas vezes preservados com o fechamento de uma fábrica, e outra parte pelo registro de testemunhos dos que viveram a história de uma indústria, no “chão de fábrica” ou nas atividades gerenciais.

Hoje, em todos os países que viveram um passado industrial – como França, Espanha, Inglaterra, Itália, para citar alguns –, há um esforço no sentido de se preservar a sua memória. Existe, inclusive, uma organização internacional, a INCUNA (Industria, Cultura y Naturalezahttp://incuna.es), com sede na Espanha, da qual participam estudiosos e entidades também do Brasil. Nas “Jornadas Internacionales de INCUNA”, realizadas em Gijón, em 2011, com o tema central de “Patrimônio Imaterial e Intangível: artefatos, objetos, saberes e memória da indústria”, foram definidos, entre outros, os seguintes itens a serem observados e preservados:

enlightenedo intangível da cultura material: ofícios, artefatos, saberes, arquiteturas e história técnica, obra pública e engenharia;

enlightenedculturas e memórias do trabalho;

enlightenedo canto, a música, as tradições operárias, os festejos populares e religiosos;

enlighteneda fotografia e imagens da indústria; sua leitura no mundo do trabalho;

enlightenedhistória oral: metodologia e casos de empresas e territórios;

enlightenedos sindicatos e o associacionismo: sua implicação social como patrimônio coletivo;

enlightenedas arquiteturas desaparecidas e as atuais, como parte do patrimônio imaterial da indústria e respectivas obras públicas.

No último curso de pós-graduação em que atuei, com o processo de preservação da MAESA já em andamento, um grupo de alunos levou adiante um projeto de entrevistar pessoas que tivessem trabalhado na Eberle, como operários ou como gestores.

Um dos entrevistados contou que numa visita de Júlio Eberle ao setor de forja, ele questionou o operador sobre o que e o como ele estava fazendo. E o operador teria respondido: “Eu sei o que faço”. O episódio foi relatado como exemplo da segurança que o pessoal de “chão de fábrica” tinha em seu trabalho.

Outro contou que uma vez a Eberle recebeu um pedido urgente, e para isso era preciso ter as peças prontas na fábrica na segunda-feira. Ele então trabalhou todo o fim de semana para garantir a entrega. E chamou isso de “prontidão no trabalho”.

Por fim, numa das entrevistas, um antigo funcionário relatou uma frase que, segundo ele, era comum dentro da empresa: “Quem tira o guarda-pó da Eberle, tira a pele junto”. A metáfora dá uma pista sobre o grau de envolvimento de todos no trabalho, cuja norma era fazer tudo com “defeito zero”, como apareceu também no levantamento da cultura imaterial dessa indústria.

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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