Caxias do Sul 01/05/2024

O desafio da confiança no trabalho remoto

Existe um dilema que ameaça minar a estabilidade do tão proclamado trabalho híbrido
Produzido por Ciane Meneguzzi Pistorello , 25/01/2024 às 09:20:28
Ciane Meneguzzi Pistorello é advogada, com pós-graduação em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Direito Digital
Foto: Luizinho Bebber

Era uma vez, em janeiro de 2023, um mundo onde a linha entre o escritório e o lar tornou-se tão tênue quanto a conexão wi-fi. As mesas de trabalho foram trocadas por sofás confortáveis e os ternos foram substituídos por camisetas e pijamas. O palco é o home office, e a peça central dessa história é a desconfiança que paira sobre a produtividade dos funcionários remotos.

Numa pesquisa conduzida pela Microsoft, um paradoxo emergiu: enquanto 87% dos trabalhadores afirmavam ser produtivos no conforto de seus lares, apenas 12% dos líderes empresariais abraçavam plenamente essa confiança. O descompasso entre a realidade percebida pelos colaboradores e a visão dos gestores cria um dilema que ameaça minar a estabilidade do tão proclamado trabalho híbrido.

A ausência da prática antiquíssima de "gerenciar andando por aí" é apontada como uma possível raiz desse desalinhamento. Em um mundo virtual, os corredores de escritórios, que estão sendo substituídos por pixels e telas compartilhadas, acabam por deixar a gestão mais distante e menos tangível. Ficar próximo, parece dizer a sabedoria popular, resolve muitos problemas.

Contudo, em meio a esse desafio, emerge um paradoxo intrigante. O número de reuniões semanais no Microsoft Teams, o fiel escudeiro das videoconferências, cresceu monumentalmente, eis que fora registrando um aumento de 153%. Os trabalhadores, em sua busca por conexão virtual, parecem compensar a ausência física com um zelo exacerbado pelas reuniões e interações online.

Mas como em qualquer história, existe um ponto de virada. A desconfiança crescente no trabalho híbrido está levando muitas empresas a adotarem práticas de rastreamento virtual, algo que antes era reservado para funções de salários mais baixos. Uma lente virtual agora sobrevoa cada clique, cada tecla pressionada, como uma sombra digital que sussurra a palavra desconfiança.

No entanto, como ironia do destino, essa vigilância virtual parece ter um efeito contraproducente. As tecnologias de monitoramento, em vez de promoverem a produtividade, criam uma geração de trabalhadores mais preocupados em parecer ocupados do que realmente realizar um trabalho significativo. A linha entre estar online e estar verdadeiramente produtivo começava a desvanecer-se.

Ao olharmos para trás, lembramos de 2020, quando a Microsoft foi criticada pelo rastreador de produtividade adicionado ao Microsoft 365. Um instrumento que, inicialmente destinado a aprimorar a eficiência, acabou gerando descontentamento e desconfiança. Agora, a empresa parece ter aprendido com seus erros, removendo a ferramenta e declarando sua posição contra essa forma de vigilância intrusiva.

Nesse enredo digital, a desconfiança dos gerentes no home office dos funcionários continua sendo uma narrativa em construção. Enquanto a tecnologia se esforça para equilibrar a supervisão com a confiança, os protagonistas desse novo mundo do trabalho buscam um final que reconcilie a produtividade com o respeito pela privacidade virtual. O palco está montado, e a cortina se ergue para os próximos capítulos dessa crônica contemporânea.

Ciane Meneguzzi Pistorello é advogada, com pós-graduação em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Direito Digital. Presta consultoria para empresas no ramo do direito do trabalho e direito digital. É coordenadora do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu em MBA em Gestão de Previdência Privada – Fundos de Pensão, do Centro Universitário da Serra Gaúcha – FSG.

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