Caxias do Sul 18/05/2024

O controle de pombas em Bordeaux

Presença dos pássaros no cenário da cidade francesa remete ao ambiente da praça Dante, em Caxias
Produzido por José Clemente Pozenato, 01/09/2022 às 08:12:09
Foto: Marcos Fernando Kirst

Em minhas viagens pela Europa, estive também na cidade de Bordeaux, na costa sudoeste da França, no ano de 2010. Quando comentei com um professor da Universidade Fernando Pessoa, no Porto, em Portugal, que eu tinha ido a Bordeaux, ele foi fulminante em me corrigir, com o sotaque lusitano:

- Bordéus! – disse ele, com o s final pronunciado como x, à moda carioca.

Mas foi gentil ao me informar que as cidades de Porto e de Bordéus sempre tiveram relação muito próxima, não só pela vizinhança, mas porque ambas possuem portos marítimos de grande vida comercial, desde tempos antigos. Principalmente de comércio clandestino, inclusive o tráfico de escravos, completou, com um sorriso sardônico.

Em Bordeaux, ou Bordéus, circulei pelo Parc Saint-Michel, um parque muito bem cuidado, com uma alameda que me chamou a atenção. Ela tem o nome de Promenade Martin Luther King, em homenagem ao pastor e ativista político que foi Prêmio Nobel da Paz em 1964 e depois assassinado em 1968, em Memphis, nos Estados Unidos. Esse nome na alameda destoava da antiguidade de Bordeaux, mas mostrava também uma abertura de espírito para os problemas de hoje, mesmo que em outras partes do mundo.

Outro elemento do cenário que me prendeu a atenção foram as pombas passeando pelos canteiros e fazendo rápidos voos entre as árvores. Lembrei-me logo da nossa Praça Dante Alighieri, onde a mesma cena faz parte do ambiente.

E também os mesmos problemas: seguindo parque adentro, avistei um outdoor grande e colorido, com uma mensagem dirigida aos transeuntes. É óbvio que estava escrita em francês, e eu não a fotografei com o celular, como talvez devesse ter feito.

O texto informava que a prefeitura de Bordeaux havia implantado um sistema de controle da proliferação de pombas por meio de anticoncepcionais. Acrescentava que o objetivo dessa medida era a preservação da saúde dos habitantes da cidade. E concluía com uma frase taxativa: Ça n’est pas tuer, c’est contrôler: “isto não é matar, é controlar”. Se não me engano, a mensagem continha também o nome do anticoncepcional utilizado, mas não anotei.

Pouco tempo depois, fiquei sabendo que a cidade de Barcelona, na Espanha, também escolhera esse tipo de controle, já que havia nela mais de cinquenta mil pombas, e a eliminação pura e simples não tinha amparo legal nem eficácia previsível. Cálculos divulgados davam conta de que haveria uma redução anual da ordem de 20% na proliferação.

Há uma expressão, da qual desconheço a origem, de que as pombas são “ratos com asas”. Isso para frisar que, como os ratos, as pombas seriam também transmissoras de doenças para os humanos. Mesmo que essa possibilidade seja verdadeira, é uma expressão de cunho ofensivo contra essas aves que sempre foram vistas como símbolo da paz. E de inspiração poética, como no famoso soneto de Raimundo Correia, que aprendi de cor na escola primária, ao ler a Seleta em Prosa e Verso de Alfredo Clemente Pinto:

Vai-se a primeira pomba despertada...

Vai-se outra... Inda mais outra... Enfim dezenas

De pombas vão-se do pombal, apenas

Raia sanguínea e fresca a madrugada.

Agora que vejo pelo noticiário que a administração municipal, mais uma vez, está preocupada com o problema da proliferação das pombas na cidade de Caxias do Sul, talvez esteja aí um rumo a ser pesquisado. Não sou especialista nessa área, e não sei se existem leis no Brasil a respeito da droga ministrada em Bordeaux e em Barcelona. Sou apenas um observador atento do que acontece em minha aldeia e no mundo...

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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