Caxias do Sul 18/05/2024

Mostre como se pesca: não dê o peixe

Manifeste através de você que ele pode e consegue realizar o que nem ele sabe que pode alcançar
Produzido por Neusa Picolli Fante, 09/08/2022 às 09:23:10
Foto: Morgane Coloda

Ensinar a pescar é diferente de mostrar como se pesca. Ensinar envolve uma ação de quem sabe mais para quem sabe menos, pois existe quem ensina e o outro que aprende, mostrando que é o desejo de um, em cima do desejo de outro... Precisamos abrir possibilidades e simplesmente mostrar como se pesca. Ir ao encontro do peixe depende de cada um, individualmente.

Pode se configurar assim: sentar à beira do rio e ir fazendo do seu jeito, sem explicar como se faz. Observar os peixes que podem ser pescados e os que não podem. Refletir sobre as iscas e quais são úteis. Também ficar se experimentando em utilizar o anzol... Ou, simplesmente, ficar ali perto do outro, jogar o fio no rio, ou no mar, enquanto mostra a vida, através da pescaria.

Dar o peixe é impedir que o outro aprenda como se pesca. É torná-lo dependente, incapaz de resolver por si. É impedi-lo também de ele ir em direção à sua vida, planejá-la, de conquistá-la com as suas mãos. Com o seu destino sob seu controle.

Mostre o caminho, atice a vontade, manifeste através de você que ele pode e consegue realizar o que nem ele sabe que deseja e que pode alcançar. Sim, porque os que não foram capacitados a pescar ficam perdidos sem saber a direção. Principalmente, sem se sentirem capazes para experimentar o novo, para dialogar com o desafio e ter a coragem de tentar...

Talvez apresentá-lo à pesca seja mostrar que é possível, que ele consegue, que pode fazê-lo. Que ele transformará o que deseja. Que você está ali para incentivar e para lhe aplaudir.

Então, que diferença é essa que eu/você precisamos construir na vida das pessoas e na nossa principalmente? Sair do tudo saber para construir juntos. Permitir que o outro faça do seu jeito e no seu tempo. E sim, contemplar o momento e a construção.

Aqui também entra o valor construído interiormente. Sabe aquele rótulo de capaz que vai marcado em letras luminosas dentro de si? Para me arriscar a pescar sozinho, preciso tê-lo de alguma maneira alicerçado ou sendo construído agora – tardiamente...

Descobrir como pescar torna o outro confiante, apropriado. Estar próximo é também dar espaço, autonomia, promove confiança. Ajuda a pessoa se tornar capaz de pescar em outros mares, em outros lugares, de outras maneiras.

Dar deixa as pessoas dependentes, despreparadas para ir ao encontro do que desejam, ou seja, acomodadas.

Aprenda a ouvir... a se ouvir principalmente, e a potencializar o outro, para que ele vá ao encontro do que deseja. Não invadindo. Isso é mostrar a pescar!

Manter o controle e a direção da vida do outro é deixá-lo na menor valia, na submissão, não é por ali que vamos ajudá-lo.

Que as buscas com autonomia se façam presentes na minha vida, na sua, na nossa vida... e nos instrumentalizem cada vez mais para seguirmos adiante pescando sonhos pequenos, grandes, mas que deixem um sorriso em nossos lábios.

Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica especialista em lutos e perdas. É palestrante e escritora, autora de oito livros: três de psicologia, três de crônicas e dois de poesia.