Caxias do Sul 16/04/2024

Educação é um desafio imposto a todos

Ler é uma surpresa, é uma condição que fomenta o conhecimento e o entendimento de complexidades
Produzido por Marcos Paulo Dhein Griebeler, 24/08/2020 às 16:54:05
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Estimado (a) leitor (a): em oportunidades anteriores, foram expostos resultados sobre os mais diversos temas, mas todos eles possuem uma correlação direta com o assunto de hoje: Educação. Antes de serem evidenciados alguns dados sobre este bem social intangível, na sua visão, lança-se aqui duas perguntas, uma macro e outra micro: Qual é o papel da Educação para um país? E qual é a importância atribuída a este tema em sua família?

O Brasil é um país em que a desigualdade não se resume apenas à renda e ao acesso de serviços básicos (água, luz, esgoto e coleta de lixo). Quando se pensa na Educação, observa-se que muitos são os resultados, assim como diversos os órgãos que se preocupam em retratar o cenário do Brasil nesse contexto. Dentre eles, está o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que informa sobre o número médio de anos de estudo no Brasil, que aumentou entre 2016 e 2018. O indicador passou de 8,9 anos para 9,3 anos em 2018, com uma média que vem crescendo, anualmente, 0,2 ano.

No caso da Região Sul, ainda segundo o IBGE, os três Estados registraram um aumento instrucional de 9,2 para 9,5 anos. Para alguns, isso pode parecer pouco, mas para o indivíduo pode representar a maneira de conhecer melhor o próprio funcionamento do sistema, assim como ter oportunidades até então não imaginadas de conquista de um emprego ou de uma melhora em sua trajetória pessoal (como sugestão, veja o filme “Gênio Indomável” de Gus Van Sant, 1998).

"Gênio Indomável"

Em contrapartida, a proporção de pessoas de 25 anos ou mais de idade que finalizaram a educação básica obrigatória, ou seja, concluíram, no mínimo, o ensino médio, passou de 47,4%, em 2018, para 48,8%, em 2019. Também nesse mesmo ano, 46,6% dessa parte da população estava concentrada nos níveis de instrução até o ensino fundamental completo ou equivalente (até nove anos). Em seguida, 27,4% detinham o ensino médio completo ou equivalente e 17,4%, o superior completo.

Contudo, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) 2019, a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade foi estimada em 6,6% de pessoas (cerca de 11 milhões de analfabetos). Enquanto isso, em 2018 a taxa registrada havia sido de 6,8%. Em outras palavras, essa redução de 0,2 pontos percentuais no número de analfabetos do país significou uma queda de pouco mais de 200 mil pessoas analfabetas em 2019. Quando se observa o caso de estudantes do Ensino Médio, em 2018, o Brasil possuía aproximadamente 3,2 milhões de jovens de 19 anos, mas apenas 2 milhões (63,5%) deles já concluíram este nível de estudo. Ou seja, cerca de quatro em cada dez brasileiros até esta idade não concluíram o Ensino Médio.

Outro ponto que pode chamar sua atenção, caro (a) leitor (a), está concentrado no desempenho do Brasil dentro do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). No que diz respeito a tais dados, eles apontam que o país possui uma baixa proficiência em Leitura, Matemática e Ciências, se comparado com outros 78 países que participaram da avaliação.

A edição 2018 do PISA mostra que 68,1% dos estudantes brasileiros, com 15 anos de idade, não possuíam nível básico de Matemática, o mínimo para o exercício pleno da cidadania. Em Ciências, o número chega a 55% e, em Leitura, 50%. Em linhas gerais, os índices estão estagnados desde 2009.

No caso da Matemática, ao ser comparado com os demais países da América do Sul analisados pelo PISA, o Brasil é pior país em matemática, empatado estatisticamente com a Argentina, com 384 e 379 pontos, respectivamente. Enquanto isso, Uruguai (418), Chile (417), Peru (400) e Colômbia (391) estão à frente. Na mesma linha, no caso das Ciências, o país também fica em último lugar, junto com Argentina e Peru (404 pontos). Em melhor classificação encontravam-se Chile (444), Uruguai (426) e Colômbia (413).

Quando o assunto é Leitura, o Peru apresentava 402 pontos, enquanto que o Brasil era o segundo pior do ranking sul-americano, com 413 pontos, ao lado da Colômbia (412). Tais situações revelam a incapacidade na compreensão de textos e na resolução de cálculos, assim como na resolução de questões científicas simples e rotineiras.

De modo geral, o desempenho médio das regiões Sul (432) e Sudeste (424) é maior do que o índice nacional nesta pesquisa. A Educação, de uma maneira geral no Brasil nunca fora uma prioridade extrema, ao mesmo tempo em que cada vez mais se observa que cabe aos gestores públicos em poder oferecer melhores condições para os habitantes terem acesso aos bens sociais, assim como o país em si, poder competir mundialmente e gerar mais empregos e divisas, fomentando uma educação participativa e atualizada.

Em um breve apanhado de tempo histórico, no governo provisório de Deodoro da Fonseca, fora instituído, em 1890, o “ensino leigo e livre, em todos os níveis e gratuito no primário” (Decreto 501/1890). Naquela época, somente 12% das crianças em idade escolar tinham acesso à Educação. Com isso, o Brasil demorou mais 106 anos para universalizar o ensino fundamental.

Conforme a professora Dra. Claudia Costin, em seu livro Administração Pública (Elsevier, 2010), a Educação foi apresentada como competência conjunta dos poderes públicos e das famílias, sendo introduzida na Constituição de 1934 como direito de todos, com previsão de ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória extensivo aos adultos e com tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário. Os estados e o Distrito Federal deveriam organizar e manter sistemas educativos, para os quais era garantida uma vinculação orçamentária (no mínimo, 10% das receitas de impostos para a União e municípios e de 25% para os estados e o Distrito Federal).

Nota-se que, de 1934 para os tempos atuais, muito foi alterado, em especial no que diz respeito não apenas ao repasse de recursos (assim como as frequentes notícias que dão conta de desvios nessa área tão essencial) e ao acesso, mas, talvez, como item mais importante, a própria permanência na escola e a absorção de elementos necessários para a vida pessoal e profissional destacados anteriormente: Matemática, Leitura e Ciências.

Mesmo assim, deve-se destacar que isso não é garantia única de qualidade em Educação. Ela vai além: condiz com a correta aplicação de recursos públicos em diferentes âmbitos, que vão desde a infraestrutura adequada de uma escola, por exemplo (sem goteiras, sem merenda, sem professores). Somado a isso, observa-se que alguns outros obstáculos estão relacionados ao objetivo de primar por uma educação condizente aos tempos atuais (como sugestão, sugere-se o documentário “Pro Dia Nascer Feliz” de João Jardim, 2005).

"Pro Dia Nascer Feliz"

Prova disso pode estar na própria diferença em termos de compreensão da importância da Educação quando se verifica que, na França, segundo o Centro Nacional do Livro (CNL, 2019), cerca de 88% da população se declarava como leitor regular e leu, em média, 21 livros em 2018. Enquanto isso, no Brasil o resultado do PISA é reforçado pela informação de que somente 52% dos brasileiros são leitores e leem menos de cinco livros por ano. Somado a isso, de acordo ainda com o CNL, a média de obras lidas por pessoa ao ano é de 4,96 e apenas 2,43 foram lidas até o final.

Outro ponto a ser destacado e condizente com esta temática está no resultado de que a pesquisa intitulada Retratos da Leitura (confira a pesquisa AQUI) informa que no Brasil, em dados de 2018, cerca de 44% da população brasileira não lê e 30% nunca comprou um livro. Enquanto isso, de acordo com essa mesma pesquisa, a leitura fica em décimo lugar na preferência de atividades de lazer, atrás de assistir TV, ouvir música, acessar a Internet, entre outros. Ainda a título de curiosidade, de cada três livros vendidos no Brasil, dois são didáticos e um é a Bíblia. Você integra essa estatística?

A Educação sozinha não é sinônimo de conquista individual, pois uma série de fatores está correlacionada a ela: desigualdade econômica e social, oportunidades de trabalho, condições de acesso às vagas, assim como a ausência de políticas públicas na área da Cultura. Mesmo assim, sua presença requer, por vezes, condições para que um “estalo” possa ser percebido.

Em outras palavras, a Educação gera um despertar cultural (como sugestão, assista ao filme “Sociedade dos Poetas Mortos’ de Peter Weir, 1990) que ao mesmo tempo não pode ser solapado pelo digital e considerado como sendo elemento-fim, mas sim, meio para o intelectual dos indivíduos da sociedade. Junto a ela, tem-se ainda a evidenciação de que apenas Educação não garante a boa conduta do cidadão, uma vez que a variável comportamental também se faz presente. Prova disso, rapidamente, são os relatos de mulheres que são agredidas por pessoas chamadas “letradas”.

"Sociedade dos Poetas Mortos"

Outrossim, nos dias atuais está em curso uma proposta de aumento de impostos para os livros no Brasil, o que pode representar uma forma de desestimular ainda mais as pessoas a adquirirem um livro. Além disso, aumentar a carga tributária para um livro pode ser algo comparado aos tempos idos em que eles eram queimados em praça pública. Na atualidade, isso seria algo como eliminá-los com um fogo “virtual”, a partir de votações telemáticas em tempos de pandemia, caso essa aprovação aconteça. Ler é uma surpresa, é uma condição que fomenta o conhecimento e o entendimento de complexidades.

Quando se pensa na Educação, diversos aspectos e contextos precisam ser relevados e o espaço aqui pode ser apenas uma possibilidade de ampliação do debate entre seus pares. Para muitos, a renúncia em estudar a fim de garantir a possibilidade para os filhos é uma realidade evidente. Em contrapartida, trabalhar durante o dia e estudar à noite é outra alternativa para a grande parcela dessa sociedade que vive do trabalho.

Outro ponto a destacar consiste em escrever corretamente, algo tão pouco praticado quando se observa a participação de pessoas, como, por exemplo, nas redes sociais ou terceirizada sua forma ao “corretor ortográfico” do teclado. Ao mesmo tempo, pode-se questionar ainda por qual razão nos próprios resultados de provas avaliativas como o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, merecem mais destaques as chamadas “pérolas”, em tom de deboche, ao invés de abrir um debate mais amplo do porquê isso continua acontecendo.

Sem a própria intenção de esgotar o tema, pondera-se que uma cidadania frágil se evidencia em diversos momentos no Brasil, com a tradição de pessoas que não têm o hábito costumeiro de ler em profundidade, não gostam de fazer cálculos (apoiando-se em calculadoras para contas básicas, por vezes), ao mesmo tempo em que não temos condições mínimas de compreender o papel da Ciência no cotidiano.

A Educação deve ser considerada não apenas como uma oportunidade para melhores condições socioeconômicas. Deve ser algo prioritário quando se busca evitar que a opressão e a tirania prevaleçam sobre a população. Cultura é um bem inestimável, reforçando a frase de Monteiro Lobato, que citou certa vez que “Um País se faz com homens e livros”, complementado pelo editor José Olympio “... e Ideias”. Gradativamente, tem-se presenciado a junção de Tecnologia com a Educação. Trata-se de uma realidade que requer a revisão de todos no preparo para esta nova condição.

Se na sua família ou no seu bairro existe a possibilidade de ampliar o debate sobre a Educação, participe. Ao mesmo tempo, incentive seu filho a ler e a realizar operações matemáticas de maneiras que o levem a pensar amplamente.

A facilidade não deve estar no meio de conseguir os resultados, mas, sim, na atitude de fomentar seus recursos cognitivos de maneira plena. Junto a isso, cobre de seu representante político ações que garantam uma Educação condizente ao destino de seus impostos, assim como a implementação de políticas públicas necessárias para tanto.

Compete a todos buscar pelo ensino que faça pensar e questionar, aliado à busca pela excelência com equidade, afinal, o que move o mundo não são as respostas, mas sim as perguntas. A dúvida é o símbolo da pureza e não da ignorância. Propicie um “estalo” cultural a quem puder ajudar. A recompensa é a garantia de que a violência e a corrupção podem ser minimizadas por este ato.

Por fim, a Educação, ressalta-se ainda, que ela possui uma correlação direta também com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (brevemente expostos de modo genérico anteriormente), que condizem com essa realidade exposta aqui. Em razão disso, a dimensão Social neste âmbito e com foco no município de Caxias do Sul será discutida na próxima inserção. Até lá.

Marcos Paulo Dhein Griebeler é Doutor em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Professor do Centro de Negócios do Centro Universitário da Serra Gaúcha – FSG e do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional das Faculdades Integradas de Taquara – FACCAT.

mailmarcos.griebeler@fsg.edu.br ou marcosdhein@faccat.br

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