Caxias do Sul 03/05/2024

Conceitos e experiências importam

O debate público sobre a futura MAESA demanda que todos compreendam o que é uma PPP
Produzido por Bruno Pereira, 19/09/2022 às 08:35:03
Foto: Claudio Roberto

A belíssima cartilha publicada em julho pela Câmara de Vereadores de Caxias do Sul, por impulso da Frente Parlamentar pluripartidária da MAESA, presidida pelo vereador Rafael Bueno (PDT), é um documento fundamental para que todos possam tomar consciência sobre os tempos necessários a qualquer processo decisório público complexo e inovador.

Para ilustrar o tema, cabe mencionar que a lei estadual que autorizou a doação da MAESA ao Município é de 2014 e o início dos estudos de viabilidade da futura parceria público-privada (PPP), destinada ao escopo de revitalização da MAESA, é de 2022.

Ademais, cabe mencionar que o poder executivo terá condições de publicar a concorrência pública da PPP da MAESA provavelmente apenas no segundo semestre de 2023, de modo que o início do funcionamento das primeiras vocações da MAESA ocorrerá em meados de 2024.

Percebam que as reflexões dos poderes executivo e legislativo antes do início dos estudos de viabilidade da futura PPP consumiram mais tempo do que o próprio ciclo de vida de uma concorrência pública de PPP. Esse fato é decisivo para que a futura PPP de fato contribua com resolutividade para a revitalização da MAESA; esta só será possível nos próximos anos pois houve o preparo de um terreno fértil, trabalhado por muitos, previamente ao início das reflexões sobre a PPP da MAESA.

O lançamento da concorrência pública da PPP da MAESA pelo Município é estimado para o segundo semestre de 2023 em função de fatos simples: nenhum órgão público está autorizado a publicar uma licitação de PPP do dia para a noite, pois a legislação sobre PPPs é rigorosa e estabelece ritos que não podem ser esquecidos, como (i) a existência de processo administrativo de alta qualidade, (ii) a realização de consulta pública; (iii) a realização de audiência pública e (iv) a aprovação da PPP pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul.

PPP é um mero modelo de contratação pública, um instrumento previsto em lei federal desde 2004. Já foram celebradas no país 204 contratos, sendo que 135 apenas em municípios. Entre as cidades gaúchas, há PPPs operacionais em iluminação pública (Porto Alegre e Sapucaia do Sul), para a gestão de shopping popular (Pelotas) e, desde janeiro de 2021, mais de 40 projetos de PPPs e concessões estão em análise entre cidades do Rio Grande do Sul.

Trata-se de um modelo de contratação pública em que a licitante vencedora, uma empresa isolada ou em consórcio, será responsável por investir capital próprio, endividar-se, construir, manter e operar ativos e serviços públicos e, ao final do contrato, deve “devolver as chaves” do ativo de volta para quem sempre foi e sempre será seu proprietário: o setor público. Em compensação aos riscos transferidos pelo setor público para a iniciativa privada, a licitante vendedora receberá pagamentos públicos e poderá, desde que previsto no edital pelo órgão público contratante da PPP, ofertar serviços privados aos usuários (restaurantes, cafés, livrarias, espetáculos etc.).

Cabe lembrar que é o poder executivo quem define a versão final do edital de concorrência, da minuta de contrato de PPP e de seus anexos. Portanto, é o proprietário do ativo quem define todos os detalhes do modelo de contrato que o parceiro privado, vencedor da licitação, deverá aceitar e cumprir. Para aqueles que não conhecem um contrato de PPP, sugerimos que leiam os documentos públicos da PPP do Cais Mauá (confira AQUI), de responsabilidade do Estado do Rio Grande do Sul, atualmente em fase de licitação. Apenas o contrato tem 100 páginas e é altamente detalhado. Sendo assim, o argumento de que a PPP é um “cheque em branco” poderia ter validade em 2004, mas, passados quase 20 anos da publicação da lei federal de PPPs, o argumento é meramente ilustrativo de uma baixa disposição ao aprendizado.

Cada edital de PPP é diferente de outro, mesmo que ambos tenham escopos similares. Nesse sentido, cabe mencionar algumas diferenças claras entre duas PPPs associadas à revitalização de patrimônio público histórico: o Cais Mauá e a MAESA.

No Cais Mauá, o modelo da PPP pressupõe que uma parte dos metros quadrados que hoje pertencem ao Estado, no setor das Docas, será transferida, como forma de pagamento, para a futura concessionária, depois que sejam realizados investimentos mínimos, principalmente para a revitalização dos armazéns. Ora, essa opção do Estado, referendada pelo Tribunal de Contas, que contribuiu decisivamente para dar viabilidade à revitalização do Cais Mauá, é simplesmente inaplicável no caso da MAESA, pois a lei estadual de 2014, que tratou da doação do patrimônio histórico para Caxias do Sul, estabelece que qualquer metro quadrado da MAESA é inalienável.

Outro ponto: no setor das Docas, a futura concessionária da PPP do Cais Mauá poderá construir empreendimentos imobiliários icônicos, de uso residencial e comercial, que serão provavelmente os mais altos edifícios de Porto Alegre. No caso da MAESA, isso não é viável em primeiro lugar porque grande parte dos blocos são tombados e, em segundo lugar, na eventualidade de haver metros quadrados disponíveis no entorno do pátio oeste que possam abrigar algum novo empreendimento verticalizado, não virá de nós a proposta de que sejam alteradas as premissas construtivas vigentes para o território.

Definitivamente, a MAESA, no que depender de nós, não será um shopping center e não será um espaço para a mera especulação imobiliária desconectada do propósito social do equipamento. Sabemos de nossa responsabilidade, temos experiência, preparo e conhecimento da realidade local.

Gostaríamos de preventivamente tranquilizar os vereadores e vereadoras da Frente Parlamentar da MAESA, assim como todos os caxienses: qualquer que seja o modelo de PPP a ser construído para a MAESA, (i) os ativos serão sempre públicos, pois a lei estadual de doação de 2014 assim estabeleceu; e (ii) ao final do contrato de PPP, as “chaves” da MAESA serão “devolvidas” ao poder executivo, que escreverá previamente cada vírgula do contrato de PPP, definidor das obrigações da empresa que ganhar a concorrência pública da revitalização da MAESA.

PPPs não são “cheques em branco”, mas sim acordos complexos, inovadores, objetivos e formalizados em milhares de páginas, que são conhecidas antecipada e publicamente por qualquer cidadão nas fases de consulta e audiência pública (previstas para meados de 2023), tendo que ser previamente aprovadas pelo Tribunal de Contas. Lembremo-nos todos: é o próprio poder executivo, para sempre o proprietário da MAESA, quem define as exatas palavras, limites, regras e obrigações do contrato de PPP.

Estamos ao dispor para interagir com quaisquer entidades privadas, com ou sem fins lucrativos, interessadas no futuro da MAESA. Basta solicitar o interesse AQUI.

Bruno Pereira é cofundador da Radar PPP (acesse o site AQUI), consultoria que lidera um dos grupos habilitados pelo poder Executivo de Caxias do Sul a elaborar os estudos de viabilidade e ocupação da MAESA, no âmbito de futura concorrência pública de Parceria Público-Privada (PPP).

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