Caxias do Sul 03/05/2024

Cedência recíproca e visão de longo prazo

A futura MAESA requer que os sonhos individuais e de curto prazo cedam em favor da revitalização do novo espaço público
Produzido por Bruno Pereira, 26/08/2022 às 08:54:23
Foto: Claudio Roberto

Há um grande constitucionalista português chamado José Joaquim Gomes Canotilho que concebeu uma expressão nunca esquecida por mim, a saber, “cedência recíproca”.

O conceito é relativamente simples: em casos reais de conflitos entre princípios constitucionais, por exemplo, liberdade de imprensa e direito à privacidade, a boa solução do caso concreto demanda que algum princípio ceda preponderância, mesmo que relativa, em face do outro, pois essa circunstância, sempre plástica a depender dos fatos do caso, significará o melhor resultado do ponto de vista constitucional e da justiça.

Lembrei dessa expressão ao visitar o importante advogado Maurício Gravina, momento em que celebramos a publicação de seu mais recente livro pela Almedina, editora do grande Canotilho.

Essa pequena volta faz sentido como introdução a um tema fundamental para qualquer processo deliberativo público inovador e complexo, como é o da revitalização da MAESA, principalmente à luz dos recentes debates envolvendo a autorização legal para que o poder executivo de Caxias do Sul reflita sobre a viabilidade da concessão de alguns de seus parques e áreas verdes.

Qualquer que seja o processo deliberativo governamental de tema complexo e inovador, todas as partes interessadas devem partilhar de duas premissas: (I) a ciência de que será necessário ceder durante o processo deliberativo, para o bem do projeto e o bem das pessoas que nem mesmo são partes interessadas ativas; e (II) o compartilhamento de uma visão de longo prazo comum, pois é essa visão que serve de farol para que as cedências recíprocas ocorram entre partes interessadas que, do ponto de vista tático, divergem por um momento.

Respeitados esses dois princípios pelas partes interessadas ativas na tomada de decisão pública, dificilmente o resultado, ao final, será uma deliberação de baixa qualidade.

É por isso que todas as partes interessadas ativas e envolvidas no processo decisório público-privado sobre a revitalização da MAESA carregam, individual e coletivamente, responsabilidades indelegáveis. Equívocos na condução da mais importante deliberação de Caxias do Sul na primeira metade do século XXI gerarão danos parcialmente irreparáveis.

Todos respeitam e devem respeitar duas instituições fundamentais para a cidade, o SAMAE e a CODECA. São pilares do que Caxias do Sul conseguiu avançar até o momento no campo da universalização do saneamento básico. Qualquer visitante percebe como a cidade é limpa, a adequada conteinerização do sistema de coleta de resíduos sólidos urbanos e o orgulho que todos têm do SAMAE.

Entretanto, de acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), de 2020, a cidade atualmente coleta apenas 80% do esgoto que produz e trata apenas 51,39% do esgoto coletado. Esse é um tema que me parece pouco debatido na cidade e em que será necessária muita cedência recíproca para sua solução nos termos do novo marco legal do saneamento básico.

Desejamos que nos próximos 12 meses Caxias do Sul consiga produzir um belo debate público a respeito da MAESA e de outras políticas públicas fundamentais para a cidade.

PPPs (Parcerias Público-Privadas) e concessões são complexas, mas é importante ressaltar que as respectivas leis têm quase 20 e 30 anos desde as datas em que foram promulgadas; é importante ressaltar que, a despeito dos instrumentos serem novos para Caxias do Sul, não são novos entre centenas de cidades brasileiras; é importante ressaltar que há centenas de casos reais, operacionais, que compõem o rol de conhecimentos e experiências com as quais o poder executivo se nutre; é importante ressaltar que o poder executivo vem sendo apoiado pelo BNDES no estudo de eventual PPP de iluminação pública; é importante ressaltar que o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul está preparado e faz um ótimo papel em processos decisórios sobre concessões e PPPs; é importante ressaltar que consomem-se meses para estudar a viabilidade de um projeto, ou seja, não é algo feito do dia para a noite; e é importante ressaltar que a publicação de uma concorrência pública de concessão ou PPP deve ser sempre antecedida por consultas e audiências públicas.

Nesse sentido, pouco temor automático deve ser gerado diante de processos decisórios público-privados transformadores, sob pena de que sejam perdidas raras oportunidades de implantação de políticas públicas transformadoras.

Em 2011, um grande especialista em concessões e PPPs disse-me uma frase: “O desafio de um processo decisório público-privado é que quem vai perder prerrogativas e controle sobre uma política pública está ciente disso e de prontidão, mas quem vai ganhar com a transformação, o usuário e pagador de tributos, não está ciente e muito menos de prontidão”.

Uma comunicação social de qualidade sobre concessões e PPPs serve, justamente, para que os usuários de serviços públicos e para que os pagadores de tributos, muitas vezes partes interessadas menos ativas em processos decisórios público-privados, integrem-se a estes.

Bruno Pereira é cofundador da Radar PPP (acesse o site AQUI), consultoria que lidera um dos grupos habilitados pelo poder Executivo de Caxias do Sul a elaborar os estudos de viabilidade e ocupação da MAESA, no âmbito de futura concorrência pública de Parceria Público-Privada (PPP).

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