Caxias do Sul 05/12/2024

As incertezas do adicional de penosidade

No vazio jurídico, um eco do passado e um futuro incerto
Produzido por Ciane Meneguzzi Pistorello , 16/10/2024 às 08:27:45
Ciane Meneguzzi Pistorello é advogada
Foto: Luizinho Bebber

Quando da promulgação da Constituição, em 1988, havia um artigo que prometia dignidade a um grupo de trabalhadores esquecidos: o adicional de penosidade.

Essa compensação financeira é destinada a quem exerce atividades consideradas penosas, ou seja, aquelas que exigem esforço físico intenso, causam desgaste emocional ou ocorrem em condições adversas. Junto aos reconhecidos adicionais de insalubridade e periculosidade, essa proposta parecia ser um passo rumo a um futuro mais justo. Contudo, sua concretização encontrou resistência na dura realidade.

Como advogada, me questiono sobre essa situação. Seria esse adicional apenas um vazio jurídico? O Congresso, repleto de projetos, ainda não regulamentou o adicional de penosidade. Os debates fervilhavam, mas os resultados eram escassos, pontuados por leis que pouco resolviam.

A ideia de normas de eficácia limitada vem à mente: elas requerem a ação do legislador para que possam florescer. O que vemos é um cenário paralisado, em que o direito não avança e o trabalhador continua à mercê de condições adversas, sem a devida compensação. Enquanto a CLT e as Normas Regulamentadoras são claras sobre insalubridade e periculosidade, as atividades penosas permanecem à margem, envoltas em incertezas.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a omissão do legislador e fixou um prazo para que o Congresso Nacional tomasse as devidas providências. Mas me pergunto: isso representa um avanço real ou é apenas mais uma esperança que pode se dissipar?

Ter um prazo é uma coisa; sua efetividade é outra. O que restará se, após esse tempo, nada mudar? Um novo eco vazio, ressoando nas promessas não cumpridas. O símbolo, então, pode se transformar em um fardo, e a pergunta persiste: será que agora vai?

Enquanto aguardo as movimentações no Congresso, percebo que a luta pelo adicional de penosidade vai além do campo jurídico. É uma busca por reconhecimento, por dignidade. A sociedade precisa entender que o trabalho penoso merece reparação. A cada dia, são vidas que padecem sob o peso de suas atividades, sem que a justiça lhes ofereça a devida compensação.

Assim, sigo na expectativa de que essa promessa se torne realidade. Que o Congresso, mais do que atender a um prazo, reconheça a importância desse adicional e abra as portas para um futuro em que direitos se tornem conquistas efetivas. Que o vazio jurídico dê lugar a um espaço de dignidade, onde cada trabalhador, independente da penosidade de sua função, seja valorizado em sua essência.

Ciane Meneguzzi Pistorello é advogada, com pós-graduação em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Direito Digital. Presta consultoria para empresas no ramo do direito do trabalho e direito digital. É coordenadora do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu em MBA em Gestão de Previdência Privada – Fundos de Pensão, do Centro Universitário da Serra Gaúcha – FSG.

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