Caxias do Sul 26/04/2024

A segunda primavera - tempo de florescer

“Sim, eu mereço a primavera - Eu não devo nada, para ninguém.” (Virginia Woolf - escritora inglesa e uma das mais importantes modernistas do século 20)
Produzido por Lisiane Dossin Miotti , 21/03/2021 às 07:00:51
Foto: ARQUIVO PESSOAL

As mulheres merecem sim, e merecem muito, uma segunda primavera florida de saúde, de energia e de bem-estar. Merecem passar pelo período do climatério entendendo bem o que está acontecendo, tendo a orientação médica e medicamentosa que necessitam, sem terem sua vida pessoal e profissional seriamente prejudicadas por sintomas indesejados.

Por isso, no último texto, contei para vocês as razões pelas quais essa fase tem uma abordagem tão tímida e o entendimento que as mulheres têm dela é tão escasso, mesmo vivendo nesse momento em que existe uma abundância de informações, acessíveis a quase todos. Falei sobre como a menopausa afeta as mulheres de diversas formas, em todas as esferas da sua existência, começando em algum momento entre os 40 e 60 anos, mais frequentemente, no nosso meio, entre os 49 e 51 e durando, em média, 7 anos.

Expliquei como a solução se tornou a vilã, e como isso afetou nossas vidas. Agora venho dizer que a reposição hormonal com estrógenos, para o tratamento da menopausa, não só não deve ser temida como deve ser encarada como nosso passaporte para uma terceira idade saudável, com excelente autoestima e em ótima forma.

Se você está passando por essa fase agora, ótimo, este artigo é perfeito para você. Tenho informações preciosas para lhe dar. Mas se você por acaso está pensando “interessante, mas é muito cedo para pensar nisso”, melhor ainda, você está correndo na frente, aproveite.

Vida em transformação

Essa fase da vida da mulher é muito rica e também muito complexa. Estamos em pleno processo de transformação. Nosso ambiente hormonal está mudando e, junto com ele, nosso corpo, cabelo e pele. Nossa visão da vida está se transformando, bem como nossos relacionamentos com quem mais amamos. Nossos filhos já não são crianças, estão crescendo, adolescendo ou até já são adultos. Nossos pais estão envelhecendo e precisando de ajuda. Queríamos ter mais tempo para os amigos, mas é difícil conseguir um espacinho na nossa vida corrida para relaxar e conversar ou, simplesmente, estar junto.

Pense em quanto o nosso relacionamento com o nosso cônjuge precisa se transformar, agora que o tempo de corre-corre para criarmos nossos filhos e fazermos nosso pé-de-meia finalmente se acalmou. Precisamos nos reencontrar com o romance e as paixões que nos colocaram e nos mantiveram juntos. E é muito importante que o reencontro aconteça nesse momento.

Nossa carreira está no auge ou estamos buscando ressignificar nosso propósito, buscando a satisfação que perdemos ou procurando novos horizontes. Além disso, parece que, nessa época, todos querem um pedacinho de nós.

Então, em algum momento do climatério, precisaremos de ajuda para lidarmos com os nossos sintomas de deficiência de estrogênio. Seja bem no comecinho quando só estivermos sentindo as consequências das oscilações hormonais, seja quando encerramos nossos ciclos menstruais e começarmos a sentir de forma mais definitiva a privação desse hormônio tão importante para o nosso corpo e daí a terapia reposição hormonal (TRH) com estrogênio está indicada.

A diversidade de sintomas e a solução

Preciso explicar para vocês que a lista de sintomas do climatério tem ao menos 25 itens. Muitos são bem populares como os fogachos, a irregularidade do fluxo menstrual, a irritabilidade, os suores noturnos e sugerem uma relação com o estado hormonal. Mas muitos não são tão óbvios, e enganam mesmo, porque podem acontecer quando ainda temos nossos ciclos regulares.

Alguns acabam sendo causa frequente de procura por médicos especialistas que não relacionados à ginecologia. Bons exemplos são as palpitações, ou sensação de coração disparado, que é muito comum e causa muita preocupação, as dores articulares, ansiedade e tristeza, insônia, dificuldades de concentração e raciocínio. Por isso enfatizo tanto a necessidade de ter esse conhecimento que, nesse momento, é um divisor de águas entre a resolução satisfatória ou uma peregrinação exaustiva e frustrante por diversos exames e especialistas, se nem nós, nem os médicos, considerarmos o climatério como possível evento causal.

Está comprovado que a TRH, além de tratar os diversos sintomas, confere proteção contra os acidentes cardiovasculares (ACVs) que estão entre as mais frequentes causas de morte em mulheres no mundo todo. Ela efetivamente nos protege da osteoporose e das fraturas decorrentes dela que são as maiores responsáveis por mulheres idosas perderem sua independência e precisarem de cuidadores e, também podem resultar em morte decorrente de suas complicações. Ela nos protege também da perda cognitiva e demência de origem vascular e diminui nosso risco de desenvolver câncer colorretal.

A TRH nos devolve a libido, a disposição sexual e a qualidade do sono, diminui nosso risco de desenvolver diabetes, depressão e outros transtornos de ansiedade. Ela melhora o funcionamento de vários órgãos como a bexiga, vagina e tireoide, aumenta a sobrevida livre de doenças e não aumenta o risco de câncer de mama. Repito: não aumenta o risco para o desenvolvimento de câncer de mama. Resumindo, não existe nenhuma outra medicação que confira, por si só, tantos benefícios para diversos órgãos do corpo simultaneamente como o estrogênio.

Encontrar a melhor escolha para você

Na atualidade, contamos com diversas opções de fórmulas que usam estrogênios e progesteronas idênticos aos produzidos pelo nosso corpo, em doses e vias de administração que podem ser personalizadas de forma segura e eficaz e, acreditem, eles fazem maravilhas por nós.

A reposição hormonal quem faz de fato é o estrogênio, a progesterona é usada apenas para proteger o endométrio, revestimento interno do útero, da proliferação excessiva e deve ser usada pelas mulheres que tem útero, ou seja, que não tiveram seu útero retirado cirurgicamente por alguma patologia.

Temos fórmulas mais tradicionais, compostas ou não, para uso via oral. Temos opções transdérmicas em forma de adesivos, gel ou cremes. Essas, por não serem metabolizadas pelo fígado, não o afetam e nem alteram os fatores de coagulação podendo ser usadas, com segurança, por mulheres com limitações nesses aspectos. Temos até um endoceptivo intra-uterino, que é como um DIU que libera medicação, que protege o útero, cumprindo o papel da progesterona e nos dando liberdade para usarmos o estrogênio na via que mais nos convier.

O estrogênio é definitivamente o melhor tratamento anti-envelhecimento que existe. Ele realmente retarda o envelhecimento durante o período que é usado, estendendo seus benefícios além da prevenção de doenças. Ele age preservando a qualidade do nosso colágeno e consequentemente a textura da nossa pele e nos protege do afinamento e rarefação do cabelo que é uma consequência muito comum e desagradável da deficiência hormonal. Além disso, mantém nossa linda forma feminina, da qual gostamos tanto, o formato dos nossos seios e as curvas da nossa cintura e quadris, porque mantém a distribuição da gordura corporal nos lugares certos.

Recado para guardar na carteira

Quero aqui deixar uma mensagem clara para vocês. Todas as mulheres merecem receber a TRH. A sua contraindicação é reservada para as que já tiveram câncer de mama ou ACVs, para aquelas que já sofreram acidentes tromboembólicos ou possuem distúrbios da coagulação que os favoreçam, para as fumantes e para algumas situações específicas de saúde.

É claro que existem opções alternativas e naturais mas, entendam que, elas devem ser reservadas para estas que não podem fazer uso de estrógenos e para aquelas que, por alguma razão, optam por não fazer a TRH. Essas medicações visam apenas aliviar alguns sintomas e não conferem nenhum dos benefícios de longo prazo que descrevi e podem até ser prejudiciais com o uso prolongado.

Acabando com o tabu

Quero aqui levantar a minha bandeira e o propósito do meu trabalho para podermos, juntas, quebrar o preconceito: menopausa e climatério não são palavrões, são um evento inevitável nas vidas das mulheres que tiverem a sorte de viver o suficiente para alcançá-los. Envelhecimento saudável não é coisa para se pensar na velhice, é algo que temos que planejar agora.

Gostaria que as mulheres pensassem nesse assunto e falassem dele, discutissem com as amigas, mães, avós, tias e filhas. Olhem para dentro, observem seus corpos, identifiquem suas queixas, se questionem e levem o que não estiver bem para seus médicos, de forma clara, para que eles possam ajudá-las efetivamente. Gostaria que os médicos que a receberem estejam preparados para ouvi-las, questioná-las, diagnosticá-las à luz da medicina baseada em evidências e, com conhecimento bem embasado, estejam aptos a tratá-las e orientá-las.

Essa é a hora de florescer e, ao mesmo tempo, hora de plantar as sementes de um envelhecimento saudável e pleno. Se você se identificou com esse artigo, ou conhece pessoas que possam se beneficiar dele, compartilhe e divulgue. Os meus dois artigos anteriores também contêm informações importantes que explicam porque cheguei aqui. Espalhe a “boa palavra”. Vamos mudar a história das mulheres, vamos devolvê-las a vida após a "segunda primavera”.

Lisiane Dossin Miotti é médica especialista em Mastologia, Ginecologia e Obstetrícia com formação na PUC-RS. Cursando especialização em Menopausa, Ciências do Bem-Estar e Longevidade nos EUA, onde vive há 5 anos.

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