Caxias do Sul 26/04/2024

A região no planeta global

Como vai funcionar o mundo com essa ideologia das regionalidades frente à globalização?
Produzido por José Clemente Pozenato, 16/12/2021 às 13:17:14
Foto: Marcos Fernando Kirst

Como escrevi certa vez, “o tema da região me persegue”. E apontava duas razões para isso. Primeiro, porque nasci e vivo no Rio Grande do Sul, uma região que sempre se quis independente: na economia, na política, na cultura.

Segundo, porque estou num espaço criado pela imigração italiana, que reivindica o tempo todo ter uma identidade própria reconhecida também na economia, na política, na cultura, e até na língua... Ainda por cima, trabalhei numa universidade que sempre teve o espaço regional como campo de atuação.

Essa luta pelo reconhecimento da região teve vários estágios. Num outro ensaio que publiquei há alguns anos, afirmava que o significado dos regionalismos havia mudado: com a globalização, a região deixava de ser considerada parte de uma nação para ser considerada parte do planeta globalizado.

O primeiro a apontar esse fenômeno talvez tenha sido o consagrado geógrafo brasileiro Milton Santos, um nome conhecido em todo o planeta. Numa de suas obras, ele mostrou que os instrumentos da globalização, como, por exemplo, o telefone celular, permitem contato a qualquer momento com a Europa, a África e a Ásia. Mas torna também mais fácil falar de perto com a mãe e com a namorada!

Em visita a Montpelier, na França, com uma comitiva de nossa região, ouvimos do prefeito da cidade esta frase: “A região de Montpelier não quer competir com outras regiões da França, mas com outras regiões do mesmo porte no mundo”. Daí nasceu o slogan “Pés na região e olhos no mundo”, adotado pela UCS no último decênio do século XX.

Mas a globalização sempre tem os opositores que reivindicam espaço fechado para sua região. Dois fatos relativamente recentes apontam nessa direção. Um deles foi o “brexit”, com a Grã-Bretanha se retirando da União Europeia, globalizada demais na visão dos britânicos, para cuidar apenas do seu pedaço de globo. O segundo foi a eleição de Trump, claramente uma demonstração do medo que os americanos sentem com a globalização, de que Obama era uma coluna mestra. A proposta de Trump de erguer um muro na fronteira do México, mesmo que somente no plano retórico, foi uma evidente demonstração de uma nova ideologia, a das regionalidades: não mais em confronto com a nação, mas em confronto com o planeta.

E como vai funcionar o mundo, com essa ideologia das regionalidades frente à globalização? Na época dos nacionalismos, a resistência à internacionalização (como era então chamado o processo de globalização) foi ao ponto de se fazer uma guerra mundial. Essa possibilidade não está descartada, com o uso de armas mais elaboradas...

E como se definem hoje as regiões no quadro da globalização? A resposta pode ser encontrada em Arnold Toynbee, um historiador da minha particular atenção. Segundo ele, os conflitos mundiais acontecem sempre pelo confronto de civilizações, e não de ideologias. E chamava a atenção, na metade do século passado, para o confronto iminente de duas civilizações: a da cristandade e a do islamismo. Dentro de cada um desses blocos, com base em suas peculiares tradições culturais, haveria as regiões, cada uma defendendo seu território, com unhas e dentes. Teria chegado esse momento?

Mas, sempre é possível preservar as peculiaridades regionais sem brigar com o mundo. Esperemos que a humanidade escolha esse caminho.

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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