Caxias do Sul 03/10/2024

A ida do caminhão de socorro

O transporte do sr. Fracasso fracassa na lama mas a expedição do Cônego Donato chega a Araranguá
Produzido por José Clemente Pozenato, 05/09/2024 às 10:37:37
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”
Foto: Marcos Fernando Kirst

Quando chegou o caminhão de socorro, depois de horas de espera e de nervosismo, o Cônego Donato dirigiu-se ao senhor Elto Labes, que chegava “em carne e osso” no comando da operação, com um mecânico e mais um ajudante, para cobrar dele as razões do atraso. Se o pescador tinha ido a Sombrio às onze da manhã para telefonar pedindo socorro, por que ele só chega doze horas depois

- Mas eu recebi o fonograma depois das cinco da tarde – respondeu o sr. Labes. – E procurei vir logo, deixando de jantar. Se o aviso me tivesse chegado antes eu teria atendido com toda a pressa vosso pedido.

Quando o pescador voltou, o Cônego quis saber dele a razão de só ter telefonado depois das cinco da tarde. Segue a narrativa original:

O pescador que andou até Sombrio para telefonar a Araranguá não pôde ligar logo porque o prefeito de Araranguá deu ordem ao encarregado do telefone de Sombrio de não telefonar antes das cinco da tarde. Assim nos contou o pescador quando voltou.

Mas se em Sombrio acontecesse qualquer desgraça, ou se houvesse necessidade do médico, do sacerdote para qualquer pessoa doente, era preciso esperar até as cinco da tarde para pedir socorro em Araranguá ou noutro lugar. Não duvido que aquele pescador esfarrapado tenha mentido.

O atendimento de socorro seguiu este roteiro:

O Sr. Labes deu ordem ao mecânico de aproximar o caminhão do nosso, dando luz, porque era noite, e de colocar a bateria que tinha trazido no carro do Sr. Fracasso. O mecânico e o outro ajudante meteram mãos à obra trabalhando quase duas horas, mas sempre inutilmente porque a velha carcaça não pegava fogo. Eu que naquela altura estava cansado e cheio de sono gritava e solicitava a eles que parassem de se esforçar, abandonassem o carro velho e nos levassem no deles a Araranguá.

Finalmente, cansados de trabalhar inutilmente, perderam a esperança de arrumar o caminhão do Sr. Fracasso, propondo levá-lo de reboque até Araranguá. Mas o Sr. Labes fez saber que a cerca de 15 quilômetros era preciso atravessar uma sanga (corrente de água), e que lá chegando era absolutamente necessário abandonar o caminhão do Sr. Fracasso, porque ele corria o sério perigo de ficar atolado.

Chegados àquele ponto o caminhão velho foi abandonado, ficando nele somente o Fracasso e seguimos viagem para Araranguá. Chegando a Arroio do Silva encontramos o sr. Firmino Gomes (passageiro do caminhão que tinha vindo sozinho a pé). Logo pediu se tínhamos levado conosco as duas valises: ao saber que foram esquecidas no carro do Fracasso começou com choros e lamentações, e esse lamento continuou sem interrupção até Araranguá, de modo que para mim e os outros companheiros era um tormento Tanto que o sr. Carlo Guisen, cansado de ouvir tanta lamentação, pegou a carteira e passou ao Firmino uma nota de 50$000, dizendo-lhe; “Amanhã pegue um automóvel e vá pegar suas valises, que nesta noite estão sendo cuidadas pelo Fracasso. Está contente?”

Finalmente, sem outros incidentes, chegamos a Araranguá pelas 11 e meia da noite. A senhora Labes nos preparou um café. O sr. Labes disse então que a despesa do caminhão da empresa Jaeger era de 150$000 e queria saber quem ia pagar essa soma. Eu disse que a obrigação de pagar era do Fracasso. O sr. Labes deveria ter sido um pouco mais honesto no preço. [...]

Depois de muito conversar, fomos dormir. Desta vez pude repousar porque faltavam os mosquitos, mas dormi poucas horas, porque às 4 da manhã vieram bater na porta de meu quarto e tive que levantar porque o trem (para Tubarão) partia às 5 da manhã. Todos se levantaram e se reuniram na sala de jantar para tomar café. [...] No escuro e por uma estrada barrenta chegamos à estação ferroviária.

O resto da viagem de ida foi de trem, com trilhos ao invés de barro pela frente! Mas a história não termina. Depois do estágio nas águas termais, há ainda a viagem de volta. Outra vez de caminhão!...

(A SAGA SEGUE NA SEMANA QUE VEM)

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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