Caxias do Sul 05/05/2024

A dor escondida

A lição é reconhecer realmente o que dói e tomar para si, em suas mãos
Produzido por Neusa Picolli Fante, 14/02/2024 às 09:57:52
Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica especialista em lutos e perdas
Foto: Morgane Coloda

Meu olho puxou meu coração e lá fui eu refletir... Foi ali que identifiquei olhares tristes, ausentes, cansados, distantes... Foi ali que impactei, me dei conta de uma realidade que não desejava enxergar e nem percebia na sua essência.

Fixei em muitos e percebi algo escondido atrás daqueles olhares presentes/ausentes.

Entendimento de visões tristes, paradas, sem luz e sem brilho se confundiam com os gestos atrapalhados e com a raiva latente e não direcionada. Tudo isso vinha de maneira confusa e chegava muitas vezes em quem nada tinha a ver com aquilo tudo. Numa triste perspectiva se direcionavam, cujo cenário ia além do que se enxergava, num enfoque distante da essência que se apresentava.

Me questionei: quanta raiva tinha ali? Quantas coisas frustraram esses andares? Quanto se atrapalhou, se perdeu, se desmereceu? Quanto não se conseguiu compreender e nem um destino pôde dar?

Era ali que o silêncio engolido vertia em um corpo machucado, no emocional frágil, na dor que se alastrava e estava muito presente...

“Reconheça e valide sua dor como ela é” - dizia uma voz em minhas recordações. Ela ecoava. É diferente de qualquer outra, pois é só sua... E, sim, esta lição está ao alcance de poucos: reconhecer realmente o que dói, e tomá-la para si, em suas mãos.

Muitos a escondem, se atrapalham, não reconhecem e ficam assim por um longo tempo ou, quem sabe, a vida inteira.

Só você que sabe o que dói, por que dói e o quanto dói. Então, não espere que o outro entenda essa dor imensa que vai e volta em seu íntimo.

As suas dores ninguém mais enxerga além de você, pois foi você quem as viveu. As pessoas palpitam opiniões olhando com óculos distintos dos seus, muito diferentes do que você viveu.

Sabe-se, no entanto, que não é a dor que diminui; sou eu que cresço, me desenvolvo para dar conta da perda que tive... como eu construo isso dentro de mim?

Dores que nos instigam, nos machucam, pressionam, que permanecem no coração, na não atitude perante o desamparo sentido...

A dor fica parada igual; como uma pedra interrompendo o caminho... Eu cresço, me torno maior e consigo deslocar essa pedra para poder passar. Cresço através das minhas buscas, do meu direcionamento interno, da fé que desenvolvo, do conhecimento que adquiro, das buscas que almejo e das quais vou ao encontro...

Dor essa que necessita de cuidado. Que está no corpo, na alma e no coração. Que anseia por ressignificação através da palavra, da lágrima, da acolhida. Do seu encontro com ela e, consequentemente, consigo mesmo...

Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica especialista em lutos e perdas. É palestrante e escritora, autora de oito livros: três de psicologia, três de crônicas e dois de poesia.

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