Essa é da série “empreendedorismo de bairro”. Vender peixe numa caravan, que tal?
Caravan era uma perua, um opala com cauda, um carro com barbatana. Até os anos 1990, era usado como ambulância, como rabecão ou como meio de transporte pra famílias numerosas que tinham alguma grana.
Mas era uma vez um cara que vendia peixe numa caravan, em Caxias.
Fim de tarde, ele estacionava na avenida Miguelão, no bairro Cruzeiro. Abria a porta traseira do auto e pendurava dourados de meio metro. Ficavam aqueles brincos de escama suspensos sobre o asfalto.
Tinha também jundiá, com bigodes que nem os do homem que os vendia.
Traíra ele dizia “taraíra”.
De onde ele tirava tanto peixe pra vender em Caxias? Tinha ele mesmo um açude, um rio? Ia na represa de madrugada, ia até Porto Alegre?
A caravan estacionada no trânsito de fim da tarde, passava a polícia e o homem fechava a porta com os peixes tudo se debatendo como que recém-pescados, mas frios que nem páginas de livro que a gente fecha rápido pra não perceberem que estávamos lendo.
Daí ele ia estacionar em outra rua. Abria a porta, acendia um cigarrinho.
A noite apertava, o cara ligava um bico de luz tremelica que pendia como olho de tilápia vazado por anzol, junto com as tilápias mesmas.
Passava a polícia de novo, ele de novo fechava a porta com aquela peixarada pingente e ia estacionar em outro canto.
Quem quisesse peixe (mas tinha que querer mesmo) precisava girar girar pelo Cruzeiro atrás do homem que vendia peixe na caravan.
Um sorriso malandro nos bigodes de jundiá, um maço de notas meladas, o bicho embrulhado em jornal.
Percorrer o Cruzeiro atrás dos peixes na caravan era que nem o pescador buscar o local no rio onde os jundiás se acumulam pra fugir do barulho dos barcos e das crianças.
Comprar peixe do cara da caravan era tão difícil que só podia ser de propósito. Devia ser pra manter os clientes em alerta, como os peixes precisam estar pra que a carne fique mais firme.
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.
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