Caxias do Sul 18/05/2024

O tempo para a leitura

Um pouco de história sobre as origens das feiras que enaltecem os livros
Produzido por José Clemente Pozenato, 29/09/2022 às 09:50:52
Foto: Marcos Fernando Kirst

Agora que começa a acontecer a 38ª Feira do Livro de Caxias do Sul, com o slogan de que Tudo é Leitura, pode ser interessante ler também um pouco do passado.

Talvez nem todos saibam que a primeira Feira do Livro do mundo foi realizada em Frankfurt, na Alemanha, em 1947. E que ela aconteceu pouco tempo depois da derrota do nazismo na Segunda Guerra Mundial. Essa feira em espaço público era uma resposta à queima de livros protagonizada por Hitler, em 1933, com a cooperação até mesmo dos estudantes, para pôr fim à liberdade de pensar e de ver o mundo de formas diferentes da oficial.

Essa ideia de promover o livro e a leitura com a realização de Feiras do Livro começou a se espalhar pelo mundo com o surgimento de outro fenômeno: o pouco tempo que começava a ser destinado à leitura, com a queda da compra de livros nas livrarias, quando os lares foram invadidos pela televisão. Esse aparelho também passou a contar histórias em capítulos diários, na forma de telenovelas, concorrendo com o livro impresso e subtraindo o tempo de leitura habitual no fim do dia.

No Brasil, a primeira Feira do Livro parece que aconteceu na Cinelândia, no Rio de Janeiro, no início dos anos 1950, também marcando o fim de uma ditadura. A de Porto Alegre foi inaugurada em 1955, com um lema deste formato: “se o povo não vai às livrarias, vamos levar as livrarias ao povo”. Era o sintoma de que o povo estava ficando em casa para ler histórias na televisão. Só para lembrar, o primeiro canal de televisão a funcionar no Brasil foi a TV Tupi, em 1950.

Em Caxias do Sul, a data da primeira Feira do Livro, de cunho oficial, data de 1984, com base em decreto aprovado no ano anterior, quando era Vitorio Trez o prefeito. O decreto foi sugestão de Marta Gobbato, secretária de Educação e Cultura, que criou também o Simpósio Municipal de Educação.

Naqueles tempos já era perceptível a diminuição do tempo dedicado à leitura. Como professor de literatura na universidade, era meu hábito fazer uma enquete sobre o hábito de leitura com os alunos e alunas que iniciavam o curso. No começo, perguntava quantos livros cada um costumava ler por mês. Com o passar dos anos, a pergunta passou a ser de quantos livros costumava ler por ano! Outra pergunta visava o tipo de obra lida: obra clássica ou best-seller promovido pela mídia?

Hoje, com a concorrência da mídia digital, também o livro impresso vai cedendo espaço para o e-book. Não sei se vai mudar a forma da leitura. A concentração e a atenção dependem do leitor, um leitor competente e disciplinado, e não do suporte em que são postas as palavras.

Antes do livro impresso, os textos eram gravados em pedra, em tijolo, escritos em pele de pergaminho. Que o livro criou um estilo de vida e de leitor, não há a menor dúvida. As carruagens do tempo das marquesas também. Mas quem disse que o automóvel, que veio substituir a carruagem, não criou também um estilo? O livro digital também vai encontrar seu espaço no modo de vida das pessoas. É possível imaginar que, depois das feiras do livro impresso em papel, aconteçam também as feiras do livro em versão digital.

As técnicas de registrar textos escritos mudaram ao longo da história. O que não deve mudar é o hábito de reservar, sempre, um tempo para a leitura. É com ela que a gente amplia a visão e a compreensão do mundo, em todos os tempos e lugares.

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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