Caxias do Sul 26/04/2024

Com tributo a roteirista, MANK é filme raiz

Fique de olho nos demais indicados ao Oscar, veja em que categorias concorrem e saiba onde assisti-los
Produzido por Eulália Isabel Coelho, 19/03/2021 às 19:07:06
Foto: LUIZ CARLOS ERBES

Por Eulália Isabel Coelho

É sempre instigante quando o cinema se vê de modo catártico, através da metalinguagem, que nos oferece a possibilidade de adentrar em seus circuitos mais secretos. É o cinema dentro do cinema, falando de si mesmo. Mostrando como é pensado, produzido, incensado em sua própria arte.

O longa de David Fincher, com roteiro póstumo de seu pai Jack Fincher (falecido em 2003), faz esse trajeto envolvendo o espectador no cerne da sétima arte. É Fincher, nominado três vezes ao Oscar, em sua mais plena forma, com um tom bem distante de suas obras anteriores como Clube da Luta (1999) ou Garota Exemplar (2014).

A obra, produzida pela Netflix, traz à cena os bastidores da criação do aclamado Cidadão Kane (1941), dirigido pelo estreante Orson Welles e escrito por Herman J. Mankiewicz. O recorte é sobre as condições sob as quais o roteiro foi ditado (literalmente) a uma assistente, sob caráter de urgência enquanto Mank, interpretado por Gary Oldman, se encontrava acamado.

O ator que concorre nessa edição do Oscar, recebeu sua primeira estatueta em 2018, por O Destino de uma Nação, de Joe Wright. No papel de Mank, Oldman torna o personagem multidimensional. É arrebatador, extravagante, decadente. E não paramos de admirá-lo.

Gary Oldman, admirável em atuação afiada

O artifício de tratar a obra como um roteiro em si não só encanta o espectador como é imersão na pluralidade do enredo. Os acontecimentos tanto estão no pequeno cômodo do hotel fazenda em que o roteirista se encontra recluso, quanto fora, nos flashbacks que contribuem para a compreensão da inspiração de seu trabalho.

Mank é uma preciosidade para cinéfilos, principalmente os que conhecem mais profundamente Cidadão Kane e as idiossincrasias de seu diretor, Orson Welles que é também o protagonista. Por isso, sugiro assisti-lo, antes de Mank, para que sua experiência cinematográfica seja mais rica e envolvente.

Citizen Kane foi a primeira incursão de Welles no cinema, aos 25 anos. Considerado um “garoto prodígio” vindo do rádio teatro e dos palcos, ficou famoso pela narração radiofônica de “A Guerra dos Mundos”, de H. G. Wells, em 1938, que causou pânico na população. A ousadia de Welles chamou a atenção de Hollywood que o contratou com total liberdade criativa para dirigir seus filmes. Um ponto em comum à autonomia dada a David Fincher.

Cidadão Kane relata a história de um famoso jornalista da ascensão à decadência, contada de forma prismática. São vários olhares sobre a vida do protagonista. A inspiração de Mank foi o magnata da imprensa norte-americana William Randolph Hearst, com quem participou de inúmeros jantares e festas durante a Era de Ouro de Hollywood (1930-1940).

Amanda Seyfried, na disputa entre as coadjuvantes

Mank e Welles eram parte de uma mesma equação. A famosa crítica de cinema Pauline Kael (1919-2001) sentenciou: “Há monstros, e também monstros sagrados; Welles e Mankiewicz merecem lugares na categoria de monstros sagrados.” Por sua vez, o cineasta francês François Truffaut (1932-1984), afirmou que Cidadão Kane “é provavelmente aquele [filme] que iniciou o maior número de cineastas em suas carreiras”.

David Fincher, terceira indicação como diretor

O filme de Fincher, como dito anteriormente, faz o recorte de um momento na vida de Mank, sem nos contar sua história pregressa. Creio que é mais fácil compreendê-lo com algumas breves informações sobre sua carreira, do jornalismo cultural ao cinema.

Herman J. Mankiewicz (1897-1953) nasceu em Nova York, formou-se em Columbia em 1916, trabalhou como repórter no New York Times, contribuiu para a Vanity Fair e The Saturday Evening Post, entre outros, sendo crítico teatral do The New Yorker. Em 1926 foi contratado como roteirista em Hollywood, acumulando no currículo mais de 70 filmes. O primeiro que escreveu foi o sucesso The Road to Mandalay, dirigido por Tod Browning.

Mank era, como retratado no filme de Fincher, um jogador compulsivo, endividado e alcoólatra. Mas, sobretudo, um genial roteirista que muitas vezes até desdenhava do meio cinematográfico.

Mank e sua assistente, papel de Lily Collins

Por questões contratuais, o nome de Mank não apareceria nos créditos de Cidadão Kane e isso parecia não ser um problema, até ele se dar conta de que aquele roteiro era o melhor que já havia escrito (ditado, no caso). Entra aí toda uma rusga histórica entre ele e Welles. Este, apesar de ter feito apenas observações, também assinou o texto, dividindo assim o Oscar de Melhor Roteiro com Mank.

Mank é o que se poderia chamar de filme raiz. Aquele que vai à essência do cinema, que resgata nessa arte uma proposição tão inovadora quanto a de Cidadão Kane. Os ecos deste filme estão por todo o longa de Fincher como tributo ao criador da narrativa que marcaria a história do cinema.

Confira a seguir as indicações de Mank e dos demais filmes concorrentes ao Oscar em sua 93ª edição que acontece em 25 de abril.

FILMES E INDICAÇÕES

MANK

Dez indicações:

Melhor Filme

Melhor Ator: Gary Oldman

Melhor Direção: David Fincher

Melhor Atriz Coadjuvante: Amanda Seyfried

Melhor Fotografia

Melhor Figurino

Melhor Trilha Sonora

Melhor Mixagem de Som

Melhor Maquiagem e Cabelo

Melhor Design de Produção

Disponível na Netflix.

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NOMADLAND

Frances McDormand já ganhou duas estatuetas

Seis indicações:

Melhor Filme

Melhor Atriz: Frances McDormand

Melhor Direção: Chloé Zhao

Melhor Roteiro Adaptado

Melhor Fotografia

Melhor Edição

Disponível na Hulu.

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MINARI

Yuh-Jung Youn, 73 anos, adorável velhinha

Seis indicações:

Melhor Filme

Melhor Direção: Lee Isaac Chung

Melhor Ator: Steve Yeun

Melhor Atriz Coadjuvante:Yuh-Jung Youn

Melhor Trilha Sonora

Melhor Roteiro Original

Ainda não disponível no streaming.

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OS 7 DE CHICAGO

Sacha Baron Cohen (Borat), como coadjuvante

Seis indicações:

Melhor Filme

Melhor Ator Coadjuvante: Sacha Baron Cohen

Melhor Roteiro Original

Melhor Fotografia

Melhor Canção Original: “Hear My Voice”

Melhor Edição

Disponível na Netflix.

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JUDAS E O MESSIAS NEGRO

Daniel Kaluuya promete com desempenho intenso

Seis Indicações:

Melhor Filme

Melhor Ator Coadjuvante:

Daniel Kaluuya e Lakeith Stanfield

Melhor Roteiro Original

Melhor Fotografia

Melhor Canção Original: “Fight for you”

Ainda não disponível no streaming.

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O SOM DO SILÊNCIO

Riz Ahmed vive drama musical comovente

Seis indicações:

Melhor Filme

Melhor Roteiro Original

Melhor Ator: Riz Ahmed

Melhor Ator Coajuvante: Paul Raci

Melhor Edição

Melhor Mixagem de Som

Disponível na Amazon Prime Video.

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MEU PAI

Anthony Hopkins, 83 anos, sensível atuação

Seis indicações:

Melhor Filme

Melhor Ator: Anthony Hopkins

Melhor Atriz Coadjuvante: Olivia Colman

Melhor Roteiro Adaptado

Melhor Edição

Melhor Design de Produção

Ainda não disponível no streaming.

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BELA VINGANÇA

Carey Mulligan, na melhor fase de sua carreira

Cinco indicações:

Melhor Filme

Melhor Direção: Emerald Fennell

Melhor Atriz: Carey Mulligan

Melhor Roteiro Original

Melhor Edição

Disponível por US$19,99 na Amazon Prime Video, iTunes e Google Play.

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Eulália Isabel Coelho é jornalista, professora de cinema e escritora

mail bibacoelho10@gmail.com

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